quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Meu caro Hans Bender:

por Paul Celan

(…)

Lembro-me de ter-lhe dito que o poeta, tão logo o poema realmente exista, é libertado de sua cumplicidade original. Hoje eu formularia essa opinião de outra maneira, ou tentaria diferenciá-la; mas fundamentalmente continuo tendo essa – velha – opinião. Existe, é claro, aquilo que hoje se aprecia designar com tanta facilidade de artesanato. Mas – permita-me essa reunião do pensado com o vivenciado – artesanato é, como o asseio geral, o pressuposto de toda poesia. Este artesanato não é, com toda certeza, um chão de ouro[1] – quem sabe até se tem um chão. Ele tem seus abismos e profundezas – alguns (quem dera pertencer a eles!) têm até um nome para isso.

Artesanato – isto é coisa para as mãos. E essas mãos por sua vez pertencem apenas a uma pessoa, quer dizer, a uma criatura única e mortal, que com sua voz e sua mudez procura um caminho.

Somente mão verdadeiras escrevem poemas verdadeiros. Não vejo diferença entre um aperto de mão e um poema.

(…) Poemas são também presentes – presentes aos atentos. Presentes que levam consigo um destino.

“Como se fazem poemas?”

Há anos pude, por algum tempo, ver e, mais tarde, a certa distância, observar com precisão como o “fazer” (Machen), através da feitura (Mache), aos poucos se transforma em manobra (Machenschaft). Sim, existe também isto, como deve saber. E não é por acaso.

Vivemos sob céus sombrios, e… são poucas as pessoas.  É por isso que existem tão poucos poemas. As esperanças que ainda não tenho não são grandes; tento conservar o que me restou.

(…)

Paul Celan

Paris, 18 de maio de 1960
(Em: Cristal, 1ª reimpressão, Iluminuras: 2009. Tradução: CC)

[1] Referência ao provérbio: “Um artesanato tem um chão de ouro”.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Destino se Inventa

por Ivan Martins



Se eu fosse mulher, tivesse 30 anos e não estivesse num relacionamento sério, minha lista de planos para 2014 começaria com quatro palavras: arrumar uma relação legal.

Imagino, claro, que a mulher de 30 se parece comigo na idade dela: meio carente, um tanto romântico e cheio de planos para o futuro. Planos, que, no meu caso, incluíam alguém para partilhar a vida.

Há muitas pessoas que não sentem assim, evidentemente. Há caras e garotas que vivem bem sozinhos. Tão bem, na verdade, que não desejam juntar os trapos e se comprometer. Eles transam quando querem, ficam bem sozinhos e extraem da sedução frequente aquela satisfação que outras pessoas só encontram na intimidade duradoura com uma mesma pessoa – por mais que ela traga seus próprios problemas.
Não é raro que se tenha inveja desses sedutores solitários, mas suspeito que eles, de vez em quando, também gostariam de ser diferente do que são.

Mas, se você sente que não nasceu para circular de forma autônoma, se você, no fundo da sua alminha inquieta, percebe aquele desejo ancestral de acasalar e (quem sabe?) fazer família, temo que a única solução para 2014 seja procurar um par.

Parece absurdamente óbvio o que estou dizendo, mas, acreditem, não é.

Estou cansado de conversar com mulheres de 30 anos que parecem ter desistido do projeto casal. Falam em adotar sozinhas uma criança, congelar óvulos ou viver avulsas para sempre, navegando entre um casinho e outro, entre um e outro site de relacionamento. Estão jogando a toalha, como se dizia antigamente – embora sejam jovens, atraentes, interessantes, bem sucedidas no trabalho. Um paradoxo de saias.

O que elas contam é que chegaram a uma idade em que é preciso tomar decisões, mas não há em volta delas sujeitos que queiram dar um passo adiante – ou, frequentemente, sujeitos com quem elas gostariam de dar o tal passo. Homem sempre existe, diz uma amiga minha. Mas cadê o homem que a faça sentir apaixonada? Ou que, tendo penetrado a couracinha afetiva dela, não se mostre mais interessado em seguir livre, rompendo outras couraças por aí?

A vida não é simples, naturalmente. Frequentemente, porém, ela tem solução. Que, neste caso, pode estar na atitude.

Acho que nós, homens e mulheres do século XXI, ainda temos um olhar adolescente para as relações afetivas. Queremos que nos caia do céu um romance arrebatador, pronto e completo, sem contradições ou dúvidas. Sem defeitos constrangedores também. Exigimos ser amados pelo que somos, mas estabelecemos condições elevadas para amar. Tendemos, de forma tola, a nos apaixonar pela beleza, pelo charme, pelo riso. Apostamos no clichê e na superfície, mas aspiramos ser tratados de outro jeito: queremos ser apreciados pela profundidade dos nossos sentimentos e por nosso caráter.
Outro tipo de atitude é possível, porém.

Outro dia, conversando com uma amiga sobre o casamento dela – que já tem 10 anos – ouvi algo surpreendente. “Eu tive muita sorte”, ela me disse. “Meu marido é um cara maravilhoso, mas eu poderia ter amado alguém muito pior.” Vocês percebem como é generosa essa última frase? “Eu poderia ter amado alguém muito pior” significa, essencialmente, que ela estava pronta quando o sujeito apareceu. Ele não precisava ser rico, lindo, heróico. Seria suficiente que a encantasse – e ela, lindamente, admite que não teria sido difícil. Um bom homem bastaria.

Acho que há nessa história ainda mais do que parece.

Nela se manifesta a disposição da mulher – embora pudesse ser do homem – de inventar o seu próprio destino. Acho que o romantismo pueril disseminado à nossa volta (em conversas, filmes, novelas, livros e até colunas da internet) nos transforma em criaturas passivas diante da nossa própria vida.

Agimos como se o amor fosse um evento externo à realidade. Partilhamos a convicção estranha de que diante do amor não temos nada a fazer. Acreditamos que a única atitude frente ao afeto é esperar que ela apareça. Não entendemos esse aspecto da existência como algo sob nosso controle - embora ele seja mais uma etapa da existência, outra experiência essencial da qual não faz sentido abdicar, mas diante da qual não deveríamos apenas sentar de boca aberta, embasbacados e passivos.

  Em outras palavras, me ocorre que construir uma relação estável é como terminar o colégio, escolher a faculdade, lançar-se a uma profissão, sair da casa dos pais: uma experiência que precisa ser praticada, tentada, pensada e, de vez em quando, improvisada e remendada. Ao final, talvez, aceita da forma como apareça.

Logo, se eu fosse uma mulher de 30 anos sem uma relação estável - ou um homem da mesma idade e na mesma situação –  olharia em volta neste primeiro dia do ano da graça de 2014, seja na praia chuvarenta ou na rua ensolarada da cidade, em busca de alguém com que eu quisesse passar os próximos dez anos.

Ele ou ela pode estar pertinho. Ou não. Mas é certo que essa pessoa existe, porque não se trata de um semideus ou de uma criatura engendrada pela Providência. É um homem ou uma mulher comum, como tantos, a quem você concederá, de forma particular e única, embora não irrefutável, o privilégio do amor. A quem você oferecerá o direito a partilhar alguns dos momentos mais importantes da sua vida – e que receberá, atônito ou comovida, a honra do seu amor. Estar com ele ou com ela será infinitamente melhor do que jogar as mãos para o alto e desistir. Aliás, como regra não se desiste da vida, nem das coisas que a tornam importante.

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Depois do amor facinho eu já tinha ficado muito fã do Ivan Martins, agora então, nem se fala. Tá aí uma boa promessa de ano novo pra você que ainda não fez a sua, pare de problematizar o amor. Somatize.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Tudo é autorretrato

"Frida Kahlo são muitas. Sem deixar de ser uma. Ou única" escreveu Frederico Morais. Talvez por ser tantas e ao mesmo tempo tão rara que Frida tenha caído nas graças de homens e mulheres que se identificam com a personalidade forte e colorida da artista até os dias atuais.

Frida se reinventava ao se registrar em suas telas e assim continua nos dias atuais servindo de inspiração para outras artes. Pode ser pelos traços físicos caricaturáveis, a sobrancelha grossa, as flores no cabelo... Ou a história de vida e de amor com Diego Rivera, mas sobretudo pela luta por liberdade e os conceitos feministas que urdia, lá está ela sendo referência.

Fosse como fosse, não são poucas as representações da artista que transmitem sua personalidade em diversas camadas e contextos. Pensando nisso, fiz uma pesquisa deliciosa de diferentes artistas que retrataram Frida Kahlo em seus próprios traços. O resultado melhor impossível, olha só:

a. Beti Norris (http://bettnorrisillustration.tumblr.com/)
b. Clare Owen (http://www.flickr.com/photos/clareowenillustration/)

 a. Happy Graff (http://happygraff.wordpress.com)
b. Lana (http://sigh-five.tumblr.com/tagged/mine)

 a. Shiko (http://www.flickr.com/photos/derbyblue/)
b. Tiffany Beucher (http://tiffanybeucher.blogspot.com.br)

a. Velentina Sedda (http://weheartit.com/valentina_sedda)
b. Morgan Connoley (http://colourandskulls.blogspot.com.br)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Eu vou contar pra todo mundo

"Eu vou contar pra todo mundo
Que você me escolheu
Num dia lindo de domingo,
Um olhar e eu era teu"


Um amigo me apresentou o Daniel Groove ontem a noite desde então não consigo ouvir mais nada. Fuçando o youtube achei esse clipe gracinha da faixa Canção de Amor, um mimo só.

Daniel era do Sonso (se lembram?), agora lançou seu primeiro álbum solo intitulado Giramundo. Nesse disco apesar de solo o cara veio acompanhado por muita gente bacana como Marcelo Callado, Saulo Duarte, Reginaldo Lincoln, etc. 

O download tá disponível lá na Musicoteca, basta clicar aqui, baixar e contar pra todo mundo.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Loja de Histórias

Quer fazer uma troca? Você envia uma foto sua (que você mesmo tenha fotografado, não vale selfies, rs) e recebe de volta um conto baseado naquela sua imagem. É assim que funciona na Loja de Histórias, um ambiente de trocas e riquezas infinitas criado por Pedro Fonseca.

Eu ainda não mandei minha foto, mas sou freguesa já faz algum tempo. Recentemente revisitando a lojinha encontrei um texto muito, muito bom, com uma foto muito, muito boa e aí eu fiquei muito, muito apaixonada.

A foto é do Luiz Cunha, e o texto do Pedro se chama: Olha aqui o meu olhar.



Em cada dose de espanto, havia um quase-riso, um encanto, via-se a face que atinge a mão –o tapa reverso. E eu que não sou de encarar, baixei a cabeça uma vez mais, em vão, um vão aberto aos meus pés enquanto fechei os olhos –para não te encarar– mas ao tornar a te ver, diante, bem adiante, radiante, ainda estavas lá, ainda havia o espanto. Meu, este. Que mulher é essa que me cega? Quem é, essa que me desafina? Quem, a que me contorce? De onde vens? Pergunto o teu nome, dizes que não é preciso, que estamos ali há tanto tempo, interrompe o barulho urbano que faço com um silêncio de casa no mato. Não te preocupes, segues a dizer baixinho (mais que sussurro, menos que confissão), para nós dois estamos diante do fim do caminho, não importa de onde venho, nem a ti, nem a mim, não importa de onde vens, também. Viemos ao encontro do outro, sem marcar, sem agenda, que dia é hoje?, pergunto espantado.

Numa radiola de ficha do bar fuleiro do outro lado da rua, bêbados percorrem o repertório clichê até que um grita –para!– e todos param. Encontrou o que queria: canto, silencioso/sem nota, sem melodia/quem diria que você viria e eu iria/e te veria/era só um dia, outro/dia de chegar ao fim/cadê o espaço de nós dois?/cadê?/onde a gente mal cabia em si/sim, sei que hoje me verás/enfim/para a história que há em mim/olha aqui o meu olhar/é teu.

No dia em que a conheci, foram estas poucas, as palavras trocadas e a música distorcendo na vitrola velha, nossa trilha sonora para o fim da tilha de vida. Da minha incapacidade de trocar os olhares, as palavras poucas trocaram de boca enquanto nos beijávamos. Parece que foi ontem. Que dia é hoje, repito, pergunto. Dia de chegar ao fim nos caminhos sem volta. O teu, a mim. O meu, a ti.